Um
conto de Ano Novo
Uma
escolha... Um caminho!
É interessante como o
destino nos conduz por caminhos inusitados.Basta um pequeno ato, uma rápida
escolha para que o destino nos leve a grandes felicidades ou desilusões. E as
nossas escolhas, dia após dia nos abrem portas para possíveis realidades em
nosso futuro. Boas ou más.
Este conto se refere a
escolhas e caminhos.
O ano estava
terminando. Faltavam menos de três horas para a virada. Em sua casa Cláudio
assistia TV. Porém, nessa noite ele estava sozinho, sem lugar para ir ou com
quem. O vazio que sentia era tamanho que a TV passou a não ser mais suficiente.
Precisava encontrar pessoas, calor humano. Ele não gostava de multidões, por
isso mesmo um lugar aberto não seria bom. Teria que ser um lugar diferente do
que ele já viu. Foi quando ele se lembrou
que alguém havia lhe falado de um lugar. Na época não deu muita atenção,
afinal, não gostava de dançar, mas que agora lhe parecia uma boa ideia. Não
para dançar, claro, mas para observar e sentir pessoas diferentes, com muito
calor humano. “A sua casa” esse era
o nome do lugar. Procurou noticiário de laser no jornal e leu que haveria um
baile dançante e comemoração na virada de ano. E assim foi.
Quando chegou lá
escolheu uma das poucas mesas que não estavam reservadas e ali se sentou. A
banda começou a tocar. Músicas suaves de começo de baile. As pessoas iam
chegando e ele, bebendo seu suco de laranja observava cada um que passava por
ele. Pareciam alegres. Notou o jeito de entrarem. Pareciam crescer quando
pisavam no salão, como se estivessem em casa. “A sua casa”. Como se estivessem no lugar certo. Era a
expectativa de uma noite feliz.
Nesse meio tempo chegou
um homem. Parecia tímido. Inseguro. Como Cláudio. Notou que perguntou ao garçom
como era o funcionamento da casa. Ficou em uma mesa e pediu uma dose de whisky.
E como Cláudio, também passou a observar aqueles que chegavam. Os olhares dos
dois se encontraram em um momento. Eles se cumprimentaram com um discreto movimento
de cabeça e logo, desviando o olhar, voltaram suas atenções às pessoas que continuavam
chegando.
O tempo passou e
Cláudio já havia tomado três sucos e pedido uma pizza. Enquanto que o outro
estava em sua quinta doze de whisky .
Cláudio procurava entender. O outro procurava
coragem.
Pouco depois muitos já
se arriscavam no salão. A maioria fazia um dois pra lá, dois para cá. Outros,
mais técnicos seguiam fazendo evoluções com trançados, giros e não paravam. Havia
ainda aqueles mais manhosos, fazendo gingados diversos e até picantes.
Na verdade, cada um
seguia a sua viagem. E por mais diferentes que dançassem um do outro, havia algo
em comum em todos eles: O sorriso! Sim. Um belo sorriso... Por errar ou acertar
um passo... Por cansar depois de um ritmo intenso, mas sempre felizes. Por que
sentiam que faziam parte de algo... Algo em que ele não estava se encaixando.
Foi quando Cláudio viu
o outro solitário levantar-se, meio cambaleando e caminhar em direção a uma
mesa com várias pessoas. Ele o viu chamar uma moça para dançar. E mesmo com o
olhar surpreso dela, que se recuperando do susto sorriu e dos outros que ficaram
cismados, ela aceitou.
Cláudio gostou, pois se
viu fazendo isso. Com “coragem”. Sim.
Queria ter sido ele. Pensava. Porém, não se viu na situação seguinte, em que
ele, sem saber dançar a abraçou forte e se esfregou nela, tentando “xavecar” e
invadir o seu espaço ao mesmo tempo. Ela não gostou e tentou afastá-lo, mas ele
insistia dizendo que a moça não entendia... Que havia gostado dela. Ela
continuou a afastá-lo e quanto mais, mais ele a apertava tentando explicar, já
com os sentidos alterados e os argumentos perdidos sem entender que apertava
demais. E essa situação chamou a atenção dos amigos da moça que se levantaram e
foram contra ele iniciando uma discussão e agressão que só foi contida com a
intervenção dos seguranças e garçons, avisando ao homem que se continuasse
teria que se retirar.
Passado esse instante
tão raro bailes de dança de salão, todos voltaram a sorrir e dançar, enquanto
que o moço voltou a enfiar a cara no whisky, sendo observado pelos seguranças e
mal visto por todos. Até mesmo por Cláudio, lamentando-se por ter se colocado
no lugar dele. Até que pouco depois pediu a conta e foi embora, cambaleante e
mal-humorado, dizendo:
- Só tem gente
ignorante aqui. Vá se f...
Cláudio não havia
notado, mas alguém também o estava observado há um bom tempo. Era uma moça
entre um grupo de amigos. Até que ele, percorrendo o olhar pelo salão,encontrou
o olhar dela o encarando. Sentiu a intenção. Sentiu o flerte. Mas ele não retribuiu, mesmo vendo que era o
seu tipo.
E aquilo realmente era estranho. Havia ali a
oportunidade de se entrosar. De fazer parte de algo. Mas, não. Parecia que ele
preferia manter- se como um observador. Talvez sentisse medo. Medo de invadir o
espaço como o outro. Medo de estar enganado. E pior... Medo de que ela o chamasse
“para dançar” e ele não soubesse o que fazer. Ele, que sempre foi tão confiante,
não queria se perder e passar por um vexame.
Está aí o problema da
grande maioria dos homens “A vergonha”... O medo de errar. Por que a dança não
é o seu habitat natural, tão confortável para a mulher, que desde pequena já
brinca de dançar.
Entretanto, ele não poderia
ter ido a outro lugar em que as pessoas não dançassem? Sim. É verdade. Mas, algo
nele o impeliu a entrar nesse lugar. Misturar-se a esse ambiente. Talvez
intuição. Percepção. Não se sabe.
Sabia-se apenas que o seu futuro estava ligado àquele lugar. Ele podia sentir
isso e se deixou levar, mesmo com mil sussurros de ventos que tentavam
induzi-lo a seguir caminhos diferentes, puxando-o para outros lugares. Enfim...
Às
vezes o que a gente “mais espera” pode estar aonde a gente “menos espera”
Cláudio via a alegria
de todos. O cantor anuncia que logo comemorariam a virada de ano. Todos em
grupo naquele salão de baile, felizes, dançando, conversando e Cláudio se sentia
triste e solitário. Bem mais que antes, quando estava em sua casa. Não pela
felicidade deles, mas pela infelicidade sua.
E resolveu pedir a
contar. E o garçom veio, não para lhe dar a conta, mas um recado. Uma moça, de
uma das mesas o convidava a se unir ao seu grupo. Cláudio surpreso olhou na
direção que o garçom apontava e a viu sorrindo para ele e fazendo um gesto de
mão, chamando-o para se juntar a eles. Ele também sorriu e foi.
E assim continuou. E entre
eles os flertes e olhares só aumentavam. Ela o convidou para dançar. Era tudo
que ele mais temia. Porém, ele seguiu o caminho mais certo, dizendo “Eu não sei
dançar”. Ela sorriu.
-Não se preocupe. Eu te
ensino. É fácil.
- Mas eu vejo tantos
fazendo tanta coisa.
- Não se importe com isso. Cada um faz o que
sabe. O que importa é dançar e se sentir bem.
- E como é dançar?
-Bem... É balançar o
corpo e sentir o ritmo como se fosse a batida do coração. Mas, venha, eu lhe
mostro.
E foram. No salão de
dança a moça que se chamava Amanda pegou em suas mãos e disse já posicionados
“Siga meus pés”, olhando profundamente para ele, que dessa vez, retribuiu. Cláudio
não olhou para os pés, mas para o olhar de Amanda e no passo tropeçou nela. Cláudio
pediu desculpas. E ela disse, sorrindo “Olhe para os meus pés, não para mim”.
E foram seguindo no um
e um. Naturalmente se aproximaram mais ainda e ele entendeu que a dança de
salão foi feita para as pessoas se unirem. Para sorrirem. E disse a ela, agora
mais solto:
-Vejo a maioria fazendo
floreados e eu só nesse passo... Preciso aprender a dançar!
- Não está bom?
-Sim, claro, é que acho
que você se divertiria mais se eu fizesse mais coisas...
Ela sorriu e lhe disse:
-Eu faço aulas numa
escola de dança. Lá a gente aprende muitas coisas. Quer conhecer?
-Sim. Quero sim. Se for
com você.
E ela quase deitou a
cabeça no peito dele.
Nesse instante o cantor
faz a contagem regressiva até chegar ao zero e gritou:
-É ano novo! É ano
novo!
E todos pularam de
alegria e explodiram a tampa da champagne e os dois, que se olhavam
profundamente abriram um leve sorriso e os lábios foram se aproximando até o
beijo acontecer em meio à gritos, fogos e abraços. E logo que a música volta
eles continuaram com aquele um e um, sem se importar se estavam no ritmo certo,
pois o que valia era sentir a batida forte do coração, que os levava juntos a
um lugar chamado... “Felicidade!”
E assim não se largaram
mais, descobrindo belas coisas sobre a dança, sobre a vida, sobre a amizade e o
amor. E já havia se passo um ano inteiro quando na mesma data festiva voltaram
àquele salão de baile, para comemorarem todo aquele tempo de felicidade que não
os largou desde o dia em que se conheceram. Desde que Cláudio fez a escolha
certa. Voltaram aonde tudo começou... No salão de dança “A nossa casa”. E entraram abraçados e felizes, como se estivessem realmente
em casa. E dessa vez, para ele, não somente como um observador, distante da
felicidade, mas alguém que agora a carregava dentro de si. E entrou no salão
beijando a sua mulher grávida. E riram e
comeram e ele a convidou para dançar, confiante. Próprio de quem sabia o que
fazer. Amanda sorriu e no salão de dança o lembrou:
- Lembra-se quando nos
conhecemos? Fui eu que te chamei pra
dançar. Você não sabia nada! O seu jeito... Era engraçado... Mas, valeu. Hoje
você dança muito bem. O professor te ensinou muito.
- Mas foi você que me
ensinou a sorrir! – Disse Cláudio a olhando com carinho.
E durante o baile comemoravam
e dançava com desenvoltura. Até que o cantor anunciou que logo começaria a
contagem regressiva para um novo ano. Aquelas palavras o fez recordar.
Lembrou-se do homem do ano passado, que foi inconveniente e não soube lidar com
os seus caminhos para o futuro. Cláudio imagina como ele estaria hoje se
continuasse como o viu naquele tempo e sente que talvez o seu futuro não fosse
bom, por que dependia dele fazer as escolhas e cada uma delas o levaria para um
bem ou para um mal. O destino estava
traçado. Mas cabe a nós irmos até ele, direto ou por atalhos. Felizes ou
com dores. Cláudio torcia pelo homem.
E foi ao se lembrar disso
que levou o seu olhar para aonde estava sentado no ano passado e viu em meio a
tantas mesas com pessoas reunidas um rapaz. Ele estava sozinho, com um olhar entristecido,
destacando-se diante da felicidade de todos. E já chamava o garçom pedindo a
conta, numa situação semelhante a que tinha vivido. Cláudio resolveu parar de
dançar, pedindo à esposa que esperasse um pouco e foi em sua direção antes que
saísse. O cumprimentou e o convidou para juntar-se a eles. O rapaz relutou, mas
Cláudio insistiu. E viu o rapaz sorrir, aceitando o convite, identificando o verdadeiro
significado daquele sorriso. Pois, a reação do rapaz foi a mesma que sua e por
isso mesmo sabia exatamente do que ele precisava. Do que ele queria.
E enquanto voltava em meio
aos chamados da esposa que o avisava que restava apenas alguns segundos para a
virada, ele ainda olha para trás e no lugar vazio em que o rapaz havia deixado,
surgiu a sua imagem. Era a imagem de um Cláudio triste e distante, sentindo-se
pequeno e rejeitado. Era o Cláudio de antes de fazer a sua escolha e seguir por
um desses infindáveis caminhos. Essa imagem, tão viva, olhou para o Cláudio do
presente e passou a sorrir e com um sinal de positivo de cabeça parecia dizer
“Vá... Siga a sua nova vida... Você escolheu bem!” e foi desaparecendo por que
ele já havia feito a sua escolha e aquele Cláudio não existia mais.
Claudio também sorriu,
no exato instante em que os fogos explodiram e as champagne foram abertas e correu
para sua mulher e amigos, levando consigo um solitário que não mais seria, pois
a sua vida tinha mudado simplesmente por que alguém havia lhe dado a mão. Haveria
de fazer o mesmo. Por que, como ele, o
rapaz se permitiu aceitar a mão.
E assim começa um novo
ano.
Fim
Autor:
Reinaldo
Anjos
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